RESENHA DA OBRA COMO SE FAZ UMA TESE – HUMBERTO ECO 

Andrea Burgos de Azevedo Mangabeira

Analista Técnica em Letras na Unidade de Fomento à Pesquisa Científica e Inovação do MPBA. Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

ECO, H. Como se faz uma tese. Tradução Gilson Cesar Cardoso de Souza. 27. ed. rev. e aum. São Paulo: Perspectiva, 2019.    

Originalmente publicado sob o título de Come si fa uma tesi de laurea, o livro alvo desta resenha revelou ao mundo, no ano de 1977, uma nova faceta de Humberto Eco, já muito conhecido como romancista e crítico literário. Dessa vez, o autor mostrava ao mundo sua visão de pesquisador, professor universitário e até mesmo filósofo, trazendo com o livro, muito mais do que um guia de como escrever uma monografia, mas uma crítica ao próprio sistema de ensino superior de sua época.  

Por que monografia se o título da obra fala em tese? É importante ressaltar que Eco deixa claro no início da obra que não se refere às teses de doutorado, em toda sua complexidade, ainda que os pontos abordados por ele sejam também de interesse daqueles que escrevem suas teses para obter esse título. O interlocutor pretendido do autor é antes o aluno de graduação que precisa apresentar uma tese (que no contexto brasileiro chamamos de monografia ou trabalho de conclusão de curso — TCC) para obter o grau de bacharel ou licenciado. Outro ponto levantado é que ele abordará teses de ciências humanas, ainda que as particularidades do gênero sejam universais, ele deixa claro que falará da área das ciências humanas por ser sua área de atuação.  

Essa diferenciação entre tese de doutorado e tese de graduação, mais e menos complexas e extensas respectivamente, leva o leitor a outra diferenciação importante trazida por Eco: a de universidade de elite x universidade de massa. Ele discute o papel originário da universidade, idealizada para uns poucos escolhidos, vindos da elite, que eram tutorados em toda a sua formação, que culminava com uma tese sobre um assunto de sua preferência. A universidade de massa, por sua vez, é como ele se refere à universidade contemporânea, disponível para todos e, portanto, com um baixo grau de diferenciação.  

Humberto Eco assume um tom de crítica severa ao apontar a tese de graduação como uma maneira de selecionar os melhores, merecedores do título de bacharel ou licenciado ao fim do curso. Na visão do autor, a universidade atual não comporta esse modelo, ficando o aluno de graduação, em grande parte dos casos, angustiado e perdido diante da obrigatoriedade de redigir tal documento, que representa, para a universidade, por sua vez, uma maneira de obrigar o profissional em formação a se aprofundar em determinado tema, sanando lacunas deixadas pelo próprio curso. Esta é, portanto, a grande justificativa do autor para escrever a obra, que ainda que se preste a ser um excelente guia de escrita de monografias, não tem originalmente essa ambição.   

A leitura do livro é acessível e fluida, com uma escrita leve e bem humorada, mas com uma pitada de acidez e crítica, Humberto Eco desenvolve, ao longo dos capítulos, pontos de extrema relevância para qualquer pessoa que pretende escrever um texto longo no contexto acadêmico, mesmo que um simples artigo ou ensaio, sendo os principais: a finalidade de uma tese; a importância de escolher bem o tema, passando pelo tipo de tese a ser escrita (monográfica x panorâmica; histórica x teórica; temais mais antigos x contemporâneos; tese científica x política); o tempo requerido para escrever a tese; a importância de saber línguas estrangeiras; a escolha das fontes de consulta e seus tipos; até aspectos mais específicos sobre como fichar textos, a ordem de escrita do trabalho e aspectos mais técnicos de sua redação.  

Dos pontos elencados acima, julgo importante destacar a discussão sobre a questão das línguas estrangeiras. O autor demonstra um certo rigor em relação à pesquisa em fontes originais, para ele, o aluno não deve pesquisar um tema ao qual não tenha acesso às fontes originais, portanto, caso não domine uma língua estrangeira, deve escolher um tema cuja discussão original seja feita em sua própria língua. Sendo assim, as fontes secundárias (traduções e obras de críticos e debatedores) devem funcionar apenas como um apoio à discussão original, que o autor da tese deve conhecer em primeira mão. Isso nos leva à questão das fontes, de grande importância para Humberto Eco, que aponta que elas devem ser acessíveis e manejáveis, ou seja, devem ser escolhidas de acordo com os recursos que o candidato tem a sua disposição e não de maneira excessivamente ambiciosa. Essa mesma orientação é trazida em relação ao quadro metodológico da tese, que, segundo Eco, deve estar ao alcance da experiência intelectual do candidato.  

Não se pode perder de vista que a obra resenhada aqui não é a obra original, escrita por Eco, mas sua tradução para o português. Nesse sentido, um dos pontos positivos da tradução em questão é que o autor adapta algumas discussões originais, por meio de notas de rodapé, para a realidade das universidades brasileiras contemporâneas, bem como para as normas acadêmicas e da língua portuguesa, uma vez que a obra original está falando do contexto italiano e de sua língua.  

O trabalho qualificado do tradutor, soma-se à narrativa detalhada e didática de Eco, tornando a obra um livro atemporal e atual, mesmo tendo sido publicado pela primeira vez há quase cinquenta anos, o que nos mostra também, que, ao menos no Brasil, tivemos poucas mudanças na maneira como organizamos o sistema de educação superior neste tempo. 

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