ICMS DECLARADO E APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA 

Hugo Casciano de Sant’Anna e Lucca Nascimento e Nascimento 

Promotor de Justiça desde 2000. Atualmente é titular da 18ª Promotoria de Justiça Criminal de Salvador, com atribuição no combate aos crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica, as relações de consumo, a fé pública e a administração pública. É pós-graduado em Direito Processual pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Bacharel em Direito pela Faculdade Baiana de Direito. Diretor Fundador da Liga Baiana de Ciências Criminais e membro fundador da Equipe de Competição de Direito Penal da Faculdade Baiana de Direito. Assessor Técnico-Jurídico de Promotoria do Ministério Público do Estado da Bahia.

Resumo

Declarar ao Fisco o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devido e não efetuar o seu recolhimento caracteriza o crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 (BRASIL, 1990), não se tratando de mera inadimplência. O dolo de apropriação é genérico e ínsito à conduta de declarar e não pagar o imposto descontado ou cobrado do contribuinte final. A finalidade da norma penal incriminadora não é servir como sucedâneo da execução fiscal, mas desestimular a retenção deliberada do imposto devido em prejuízo da coletividade e desestimular a concorrência desleal. Para a caracterização do crime não se exige a prova do dolo específico e tampouco a reiteração criminosa. A persecução penal, todavia, pode ser robustecida por meio da demonstração da boa saúde financeira do contribuinte e/ou do enriquecimento dos sócios ou seus sucessores, a exemplo da verificação da estabilidade ou incremento da movimentação econômico-financeira da empresa, aquisição de bens de alto valor, constituição de filiais ou holdings patrimoniais em nome dos sócios ou seus sucessores entre outros.   

Palavras-Chave: apropriação indébita tributária; dolo; contumaz.   

1 Introdução

O tipo penal previsto no art. 2º, inciso II, da Lei n° 8.137/90 criminaliza a conduta de “[…] deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos […]” (BRASIL, 1990). 

A comumente denominada apropriação indébita tributária constitui crime que não requer, para a sua consumação, a realização de resultado naturalístico, bastando a ocorrência do verbo nuclear do tipo – deixar de recolher o imposto descontado ou cobrado.  

A norma penal em questão busca a tutela da ordem tributária e do erário. De modo específico, a proteção recai não sobre o patrimônio já consolidado, mas sim sobre a legítima expectativa de ingresso nas contas públicas (BITENCOURT, 2013) e pretende, para além disso, garantir o equilíbrio concorrencial, dado que o não recolhimento do imposto devido pode constituir vantagem estratégica ao contribuinte renitente, que encontra margem para redução do preço de seu produto ou serviço.  

Para o cometimento do crime, o sujeito ativo é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária. Logo, mostram-se válidas duas hipóteses de sujeito ativo: na primeira, este pode ser o indivíduo que deixa de recolher o tributo descontado de outrem – qual seja a figura do responsável tributário em sentido estrito – sujeito este que, apesar de não ter a condição de contribuinte, é obrigado em face de previsão legal; na segunda, pode ser o indivíduo que deixa de recolher do valor do tributo cobrado de terceiros e, nesse caso, o próprio contribuinte pode figurar como sujeito ativo do delito (BITENCOURT, 2013).  

Conforme bem explicitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Habeas Corpus nº 556.551/SC (BRASIL, 2020a), a interpretação consentânea com a dogmática penal do termo “descontado” é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição – a exemplo do imposto de renda retido na fonte –, enquanto o termo “cobrado” deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos – incidentes sobre o consumo –, de maneira que não possui relevância o fato de o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito, que apenas repassa o tributo ao Fisco.  

Assim, da mesma forma que o ICMS não onera o comerciante a ponto de ser considerado uma despesa operacional, o seu ingresso no caixa da empresa não pode ser tido – contabilmente – como receita que permita fazer frente ao pagamento de despesas operacionais, tais quais pagamento de salários, fornecedores, dentre outros.  

Esta, aliás, foi a premissa sustentada pelas empresas que acorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a exclusão do ICMS da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) – ação declaratória de constitucionalidade de número 18 (ADC 18), Recurso Extraordinário (RE) 240.785 e 574.706 – alegando, em síntese, que o ingresso do ICMS cobrado do consumidor na venda de mercadoria não configuraria receita da empresa, mas receita do Estado. Sob o mesmo raciocínio, alegavam que a empresa seria mera intermediária entre o consumidor e o Estado no pagamento do ICMS.   

As próprias empresas argumentavam que o ICMS não seria um custo ou despesa operacional da empresa, porque, do contrário, o ingresso do pagamento do ICMS teria, sim, de ser reconhecido como faturamento para poder ser utilizado no pagamento desses custos/despesas operacionais da empresa.  

Note-se que, por ocasião do julgamento do RE 240.785 (BRASIL, 2014) que tratou sobre a incidência de PIS/COFINS sobre o ICMS, o Ministro Gilmar Mendes, que restou vencido, chegou a mencionar, em seu voto, que o ICMS incidente sobre a venda constituiria uma disponibilidade econômica de caixa da empresa que integraria o preço e que seria empregada conforme discernimento do vendedor.   

Este posicionamento, entretanto, restou superado, tendo decidido o STF que a receita advinda do pagamento do ICMS pelo consumidor não integra o caixa da empresa, não constitui receita da empresa, mas configura-se como um mero ingresso de caixa, sob pena de se considerar que as empresas faturam ICMS. Confira-se:

TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento.  

(RE 240785, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/2014, DJe-246 DIVULG 15-12-2014 PUBLIC 16-12-2014 EMENT VOL-02762-01 PP-00001). 

Tal entendimento foi consolidado no julgamento do RE 574.706 (BRASIL, 2017), julgado em 15 de março de 2017, com Repercussão Geral (Tema 69): 

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), apreciando o tema 69 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência da PIS e da Cofins”. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nesta assentada o Ministro Dias Toffoli aditou seu voto. Plenário, 15.3.2017.   

(BRASIL, 2017)

O mesmo entendimento prevaleceu na Medida Cautelar da ADC 18, visto que entendeu o STF, nessa oportunidade, que não seria possível a incidência do PIS/COFINS sobre o ICMS porque a empresa não teria disponibilidade sobre aquela receita, já que seria de titularidade do Estado, competindo à empresa o mero repasse. 

2 Evolução Jurisprudencial

Como já mencionado, desde 1990, o direito penal pátrio prevê o crime de apropriação indébita tributária – art. 2º, II, art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990 – (BRASIL, 1990). Não obstante, a conduta não vinha sendo reconhecida como típica por diversos tribunais que, não raro, entendiam tratar-se de mero inadimplemento da obrigação tributária. 

Em maio de 2013, o STF negou provimento ao Recurso Extraordinário 550.769 (BRASIL, 2013), da empresa de cigarros American Virginia Indústria e Comércio de Tabacos Ltda., interposto contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que havia considerado constitucional o dispositivo que condicionava a concessão de registro especial para a fabricação e comercialização de cigarros à regularidade fiscal da empresa. A Corte manifestou repúdio ao inadimplemento sistemático e voluntário do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) como vantagem concorrencial. Vislumbrou na conduta estratégia dolosa contra a administração pública, não se tratando, portanto, de uma dívida tributária normal. 

Em agosto de 2018, a Terceira Seção do STJ pacificou o entendimento de que é típica a conduta de deixar de repassar ao fisco o ICMS incidente em cada operação comercial, que não integra o patrimônio do empresário e, portanto, é indevidamente apropriado em detrimento dos cofres públicos (BRASIL, 2018). 

Naquela ocasião, o STJ reconheceu que o delito de “apropriação indébita tributária” exige, para sua tipificação, que a conduta seja dolosa – elemento subjetivo do tipo –, consistente na consciência, ainda que potencial, de não recolher o valor do tributo. Ficou decidido, nesse particular, que a motivação não possui importância no campo da tipicidade, sendo prescindível a existência de elemento subjetivo especial. 

A polêmica em torno da matéria persistiu e, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163.334 (BRASIL, 2020b), o STF concluiu a tipicidade da conduta em tela, desde que comprovado o dolo de apropriação e a sua reiteração.  

Na oportunidade, o relator, Min. Luís Roberto Barroso, afirmou que uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, considerando que lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos.  

Ademais, afirmou que uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado.  Por fim, asseverou que uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e atenta às consequências da decisão conduziram ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Não obstante, ponderou a necessidade de uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, que se reveste de modus operandi do empresário, seja para o enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades.  

Desta maneira, segundo o relator, a caracterização do crime dependeria da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais. No acórdão, o Ministro Relator elencou, de forma exemplificativa, as seguintes hipóteses: i) inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos; ii) a venda de produtos abaixo do preço de custo; iii) a criação de obstáculos à fiscalização; iv) a utilização de “laranjas” no quadro societário; v) a falta de tentativa de regularização dos débitos; vi) o encerramento irregular das suas atividades; e vii) a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado. O exemplo da utilização de “laranjas”, todavia, não nos pareceu adequado, dada a sua adequação típica ao art. 1º, I, da Lei 8.137/90 (BRASIL, 1990). 

Ao final, a tese fixada foi a seguinte “O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.” (BRASIL, 1990). 

A Corte considerou que o mero inadimplemento tributário não deve ser considerado crime, exigindo-se um nível especial de reprovabilidade que justifique o tratamento mais gravoso.  

Em 2020, o STJ passou a adotar o mesmo entendimento a partir do Habeas Corpus (HC) 55655110, no sentido de que a conduta de declarar o ICMS e não proceder ao respectivo recolhimento constitui crime, desde que o devedor seja contumaz na prática e que esta se revista do dolo de apropriação. 

3 Reafirmação do caráter genérico do elemento subjetivo do tipo 

A questão, todavia, ainda comporta divergência, dado que a contumácia e o dolo de apropriação não são propriamente elementares do tipo. Lembre-se que a redação do dispositivo apenas exige a conduta de deixar de recolher – no prazo legal – o imposto (cobrado ou descontado) declarado.   

Em face disso, é forçoso concluir que a mens legis se direciona à incriminação da conduta do contribuinte de direito que, tendo descontado ou cobrado do contribuinte de fato o valor do tributo, não o repassa ao Fisco, apropriando-se desse numerário.  

Tal como o tipo penal previsto no art. 168 do Código Penal, não se deve considerar que o legislador impôs qualquer elemento subjetivo específico. Ao revés, o elemento subjetivo reside justamente no ânimo de assenhoramento definitivo inerente ao verbo “apropriar-se” (MASSON, 2019).  

Hungria (1955, p. 134), a propósito, fez brilhante análise acerca do dolo no crime de apropriação indébita que, por lógica, se entende ao delito em questão:   

A ausência do animus rem sibi habendi exclui, subjetivamente, a apropriação indébita. Não há falar-se, aqui, em dolo específico (pois é indiferente qualquer fim ulterior à apropriação), mas em dolo genérico, isto é, a vontade ou consciência da ação típica do crime, que, no caso, é a apropriação sine jure da coisa alheia. A apropriação é o elemento de fato do crime, e não um fim ulterior do agente. 

Nesse sentido, inclusive, o STJ coaduna com o entendimento acerca da semelhança da apropriação indébita tributária com a previsão do art. 168 do Código Penal. 

No HC nº 556.551 (BRASIL, 2020a), restou indiscutido que, assim como na apropriação indébita, no crime contra a ordem tributária o sujeito ativo do delito é aquele que possui ou detém o bem móvel alheio. Ainda, certo que o elemento subjetivo é o dolo, caracterizado pela vontade livre e consciente de apropriar-se da coisa alheia móvel de que tem a posse em nome de outrem, ou seja, a vontade de não restituir ou de desviá-la de sua finalidade. Assim, trazendo a lição de Noronha (2001), é aduzido que o dolo genérico consiste na vontade de inverter o título, pelo qual se tem a posse ou a detenção, transformando-se de possuidor alieno domine em possuidor animus domine. 

Conclui-se ainda: 

1º) Em razão da inexistência de clandestinidade no delito de apropriação indébita, que pressupõe, como elemento estrutural, a posse lícita e legítima da coisa alheia móvel, conclui-se de igual forma que, para o delito de “apropriação indébita tributária”, o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito;   

2º) O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990: “deixar de recolher […] na qualidade de sujeito passivo da obrigação”. Um ponto interessante é que a lei, quando aponta o sujeito ativo do crime como sendo o passivo da obrigação tributária, o faz de maneira indistinta, isto é, não distingue o sujeito passivo direto do indireto da obrigação tributária e, por isso, nada impede que o sujeito ativo do crime possa ser, ao menos em tese, tanto o contribuinte (sujeito passivo direto da obrigação tributária) quanto o responsável tributário (sujeito passivo indireto da obrigação tributária);   

3º) Assim como no crime de apropriação indébita, o delito de “apropriação indébita tributária” exige, para sua configuração, que a conduta seja dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo. Porém, a motivação não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial (v. g., AgRg no REsp n. 1.477.691/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 28/10/2016; AgRg no REsp . 1.323.088/MA, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 19/5/2014).

(BRASIL, 2020a)

Ora, o dolo de apropriação na espécie decorre ontologicamente da deliberada retenção do valor do imposto devido, verificado por meio da declaração espontânea do próprio contribuinte.  

Repise-se: a redação do artigo de lei nos permite concluir que a tipicidade da conduta do art. 2º, II, da Lei 8.137/90 (BRASIL, 1990) consiste, tão-somente, em deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.  

Todavia, o que se tem visto nos julgados dos tribunais superiores e mesmo de alguns tribunais estaduais é a exigência da caracterização do dolo específico e da contumácia (reiteração). Em se mantendo o entendimento segundo o qual é exigida a demonstração do dolo de apropriação, há algumas circunstâncias fáticas envolvendo o contribuinte, que, embora demandem um maior esforço investigatório, podem robustecer a persecução penal, tais como:  

1 – incremento ou estabilidade da atividade econômica no mesmo patamar anterior à constituição dos créditos;  

2 – ausência de parcelamentos ou renegociações do crédito tributário;  

3 – valor devido muito inferior ao faturamento total da empresa;  

4 – incremento ou estabilidade do market share da empresa;  

5 – grandes investimentos em publicidade;  

6 – abertura de filiais;  

7 – enriquecimento dos sócios e/ou administradores.  

No mesmo cenário, ou seja, prevalecendo a exigência de um nível especial de reprovabilidade, o devedor pode ser considerado contumaz quando em mora por, ao menos, oito meses, consecutivos ou não, tendo como paradigma o caso concreto julgado no RHC 163.334 STF, em que o recorrido havia deixado de adimplir a obrigação tributária relativa aos meses de setembro, novembro e dezembro de 2008; janeiro, fevereiro, maio e julho de 2009; e julho de 2010 (BRASIL, 2020b). 

4 Conclusões 

A conduta típica prevista no art. 2º, II, da Lei 8.137/90 é deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos (BRASIL, 1990). O tipo penal não estipula como elementares o dolo específico e tampouco a reiteração da conduta.  

O dolo de apropriação é inerente à conduta de reter o tributo descontado ou cobrado do contribuinte de fato, uma vez que tal valor não integra o caixa da empresa. 

Há circunstâncias envolvendo o contribuinte que, denotando a saúde financeira da empresa ou o enriquecimento dos sócios, podem reforçar a conclusão de que o tributo não foi pago pelo contribuinte pela inegável vontade de apropriar-se do valor a ele correspondente. 

A reiteração da conduta para a caracterização do devedor contumaz pode ser demonstrada pelo inadimplemento da obrigação tributária por oito meses – consecutivos ou não – ou mais. 

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 

BRASIL. Lei Nº 8.137/90, de 27 de Dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em 21 out. 2022. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário N. 550769-RJ. Recorrente: American Virginia Indústria Comércio Importação e Exportação de Tabacos LTDA. Recorridos: União e Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Relator: Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 22/05/2013. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2524898. Acesso em 21 out. 2022. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário Nº 240.785 – MG. Recorrente: Auto Americano S/A Distribuidor de Peças. Recorrido: União. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DJ 15 dez. 2014. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630123. Acesso em 21 out. 2022. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário Nº 574.706 – PR. Recorrente: Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. Recorrido: União. Relator: Min. Cármen Lúcia. Brasília, DJ 15 mar. 2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2585258. Acesso em 21 out. 2022. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus Nº 399.109 – SC (2017/0106798-0). Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Relator: Min. Rogério Schietti Cruz. Brasília, DJ 31 ago. 2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201701067980&dt_publicacao=31/08/2018. Acesso em 21 out. 2022. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus Nº 556.551 – SC (2020/0002755-3). Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Relator: Min. Rogério Schietti Cruz. Brasília, DJ 05 ago. 2020a. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202000027553&dt_publicacao=05/08/2020. Acesso em 21 out. 2022. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus Nº 163.334 – SC. Recorrentes: Robson Schumacher e Vanderleia Silva Ribeiro Schumacher. Recorridos: Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Ministério Público Federal. Relator: Min. Roberto Barroso. Brasília, DJ 13 nov. 2020b. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5562955. Acesso em 21 out. 2022. 

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1995. v. 7. 

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte especial (arts. 121 a 212). 12. ed. Rio de Janeiro: Método, 2019. v. 2. 

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 

Glossário 

Adimplir: (Lat. tardio adimplere.) Cumprir, executar, completar um contrato. 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.     

Animus rem sibi habendi: (Lê-se: ánimus rém síbi abéndi.) Intenção de possuir a coisa como própria. 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.     

Apropriação indébita: Na terminologia jurídica, a expressão indica o ato de conversão de coisa alheia por parte de quem a tinha sob guarda, em confiança ou consignada por qualquer título, com a obrigação de a restituir ou aplicá-la somente ao uso determinado. Esse uso indevido pode ser em proveito próprio ou de terceiro, desde que se evidencie o ânimo deliberado de transformar-se de mero detentor da coisa em seu proprietário. 
Fonte: SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.   

Contumácia: (Lat. contumatia.) Qualidade de contumaz; teimosia; recusa deliberada ou não de comparecer em juízo. 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 

Erário: Derivado do latim aerarium, é o vocábulo aplicado, segundo sua etimologia, para designar o tesouro público, ou seja, o conjunto de bens ou valores pertencentes ao Estado. Modernamente, o sentido de erário é mais amplo que o de fisco, compreendendo este a organização a que se cometem os encargos da arrecadação de tributos e aquele o conjunto de bens pertencentes ao Estado, representados em valores oriundos de imposto ou de qualquer outra natureza, significando, assim, a fortuna do Estado. 
Fonte: SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.   

Fisco: Derivado do latim fiscus, significa propriamente o cesto de vime ou cabaz, em que se guarda dinheiro.  
E seu emprego, como caixa do Estado, vem, precisamente, da circunstância de guardarem os coletores de impostos, em tais cestos, os dinheiros recebidos, e pertencentes ao tesouro público.  
Fisco, na terminologia atual, tanto quer significar erário, como tesouro público, compreendendo, assim, todo aparelhamento administrativo destinado à arrecadação das rendas públicas e guarda dos bens do Estado.  
Nos últimos tempos do Império Romano, fiscus designava o próprio Estado, considerado como titular de direitos patrimoniais, ou seja, o patrimônio do Estado, considerado como pessoa civil.  
Não obstante ter o fisco, na terminologia atual, sentido equivalente a tesouro público, na mesma acepção em que era tido pelos romanos, nos tempos da República se distinguiam:  
O fisco significava o tesouro do príncipe, destinado à manutenção particular dele e de sua casa.  
Para o tesouro público, dizia-se, propriamente, de erário, destinado à manutenção do Estado e constituindo a fazenda pública.  
Nesta razão, antigamente, fisco tinha também o sentido de pensão real. 
Fonte: SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.   

Habeas corpus: Garantia constitucional concedida a alguém que sofra ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5.o, LXVIII). 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.     

Holding: (Ing.) Posse, propriedade; espécie de títulos e ações. 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.     

Julgado: Derivado de julgar, do latim judicare (julgar, dar uma sentença), exprime o próprio decisório ou o decreto judiciário, dado pelo juiz em solução à demanda submetida a seu juízo. É a própria sentença ou decisão. Desta forma, constitui-se pela parte final da sentença, pois que é indicativa do dispositivo, em que o juiz firma seu veredicto, que soluciona a questão. 
Fonte: SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.   

Mens legis: (Lê-se: méns légis.) Espírito da lei. 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.    

Numerário: Do latim numerarius, de numerare (contar), designava originalmente o calculista, o contador de dinheiro.  
Tecnicamente, é empregado hoje para exprimir o próprio dinheiro em espécie, o dinheiro existente e disponível. 
Fonte: SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.   

Renitente: Que resiste teimosamente, que não se conforma, que renite; obstinado; contumaz. 
Fonte: Aulete Digital 

Robustecer: Tornar ou ficar robusto; fortalecer. 
Fonte: Aulete Digital 

Sine jure: (Lê-se: síne iúre.) Sem direito. 
Fonte: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 

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