Alexandre Vieira Rocha
Analista Técnico em Pedagogia no Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA). Mestre em Educação. Especialista em Educação Integral, Tutoria em Educação à Distância e Psicopedagogia. Licenciado em Pedagogia.
A organização de atividades de capacitação nos ambientes corporativos através de trilhas de aprendizagem não é fenômeno novo e, inclusive, esta abordagem já vem sendo utilizada como um instrumento de metodologia ativa pela educação escolar, seja ela na educação básica ou superior. Fato é que as trilhas de aprendizagem têm um enorme potencial educativo, sobretudo no âmbito corporativo, foco deste ensaio.
Mais do que um posicionamento histórico, propõe-se aqui uma reflexão sobre as intencionalidades da abordagem do aprendizado corporativo em trilhas de aprendizagem e o quanto isto contribui com os processos de formação e requalificação profissional. Portanto, a todo momento, há de se frisar este aspecto indissociável da prática pedagógica, seja no âmbito escolar ou corporativo: a intencionalidade. No caso específico do Ministério Público do Estado da Bahia, optar por um modelo de trilhas de aprendizagem encontra respaldo na necessidade de entender as múltiplas necessidades, anseios, lacunas e possibilidades de formação dos integrantes da Instituição, de modo a buscar desenvolver as competências indispensáveis para o seu exercício profissional. Entretanto, entramos num terreno extremamente complexo, não sobre o porquê, mas sobre o como fazê-lo de forma que seja realmente efetivo e cumpra com suas funções e é esse um dos fios condutores desta reflexão.
Primeiramente, não se pode deixar de buscar uma definição para trilhas de aprendizagem que embase o que se procura demonstrar até o presente momento. Freitas (2002, p. 2) explicita essa questão de forma bem objetiva, para a autora, “trilhas de aprendizagem são caminhos alternativos e flexíveis para promover o desenvolvimento pessoal e profissional.” Dada tal definição, que contempla a flexibilidade do processo de aprendizagem através das trilhas, em virtude sobretudo do seu caráter de construção alternativa e individualizada, cumpre entender também, em segundo plano, o que se refere à promoção do desenvolvimento pessoal e profissional.
Pires (1995, p. 87), ao abordar teoricamente o desenvolvimento pessoal e profissional, procura demonstrar que ambos estão intrinsecamente ligados, contrariando algumas definições que apontam que o desenvolvimento pessoal se refere ao crescimento interno, enquanto o desenvolvimento profissional está focado na carreira, visando a um aprendizado centrado no desenvolvimento desta. Entretanto, a autora demonstra a indissociabilidade dos dois, uma vez que, ao se desenvolver profissionalmente, o indivíduo também está se desenvolvendo no âmbito pessoal. Com base nisso, e destacados os dois planos de abordagem desta definição, caberia destacar como tal construção se dá no aspecto institucional e quais os desafios encontrados no desenvolvimento de tal processo. Para isso, é necessário focar, agora, no processo educativo e nas suas características didático-pedagógicas.
Transmutando as características do processo escolar para a educação corporativa, mas sem perder o enfoque na necessidade de diversificação dos aspectos do processo de aprendizagem, Diesel, Baldez e Martins (2017, p. 270) apontam para a necessidade de uso de metodologias ativas que, no caso, teriam a possibilidade de modificar o aspecto estanque da educação em suas características mais tradicionais. Não se pode afirmar que trilhas de aprendizagem são metodologias ativas ou, tampouco, atividades que rompam com o aspecto tradicional e engessado da educação, uma vez que é plenamente possível a construção de trilhas de aprendizagem que ocupem apenas um caráter burocrático de transmissão de conhecimento, o que Freire (2013) conceituou como educação bancária. Aponta-se aqui, então, o primeiro problema a ser superado na construção de trilhas de aprendizagem: como fazer com o que aprendizado seja mais efetivo e menos burocrático e automatizado, uma vez que a aprendizagem corporativa não demanda um contexto engessado? Ao contrário, a dialogicidade pregada por Freire (2013) é elemento central na construção do conhecimento coletivo e na educação entre pares:
A presença de adultos numa sala de aula, é razão suficiente para que se considere a educação não mais como uma “arte operativa” e sim uma “arte cooperativa”, isto é, uma atividade de interação voluntária entre os indivíduos durante o processo de aprendizagem. Nestas circunstâncias, os participantes adotam uma atitude de colaboração tanto no planejamento como na condução do processo e o professor é utilizado como elemento facilitador, proporcionando orientação, aconselhamento para que sejam atingidas as metas desejadas pelo grupo.
(SANTOS, 2010, p. 3).
Ilustrada a necessidade de uma construção de conhecimento que responda pelas necessidades institucionais do Ministério Público do Estado da Bahia e, do ponto de vista pedagógico, observando a necessidade de uma abordagem mais humanista no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem, as trilhas de aprendizagem surgem, então, como uma possibilidade de repensar não apenas o formato, do ponto de vista administrativo e gerencial, mas o alcance e a possibilidade de enriquecimento pessoal e profissional, como já se abordou anteriormente. O que se pretende então é que os itinerários formativos a serem desenhados nas trilhas de aprendizagem propostas pelo Ministério Público do Estado da Bahia estejam carregados de intencionalidade pedagógica, fazendo com que, assim, as construções pessoais de cada integrante da Instituição, relativas ao seu percurso, tragam consigo a ideia central impregnada na trilha. Ou seja, uma única trilha poderá ter diversos itinerários, mas todos eles terão o mesmo “DNA”, isso porque a construção da trilha deve se dar de maneira integrada e atendendo aos anseios da Instituição.
É justamente nesse contexto que a construção das trilhas deve ser baseada na aprendizagem entre pares. O Ministério Público do Estado da Bahia, por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, tem como premissa pedagógica a difusão do conhecimento pelos instrutores internos, instituto criado pelo Ato Normativo nº 026/2020. Entende-se que, somente desta forma, seria possível fazer com que as trilhas sejam reflexo das necessidades de capacitação de membros e servidores e, sobretudo, sejam construídas e modificadas com base nas características da Instituição que mudam a cada dia.
Percebe-se, portanto, que a intencionalidade, ainda que do ponto de vista administrativo e gerencial, se faz presente. O próximo passo é o de transformar a intencionalidade pedagógica em ação efetiva. Trata-se de atividade elaborada com base num mapeamento efetivo que, a seu tempo, será feito com base no desenvolvimento de um programa de gestão de competências, fundamental para observação das lacunas de aprendizagem e consequente construção de planos individualizados para cada integrante. Ainda que tal processo não esteja inteiramente implantado, a organização em trilhas de aprendizagem deve seguir seu fluxo normal, haja vista que embora condição importante, não seja essa essencial para que novos arranjos educativos sejam construídos no âmbito da Instituição.
Em linhas gerais, o que se pode concluir é que o desenho de trilhas de aprendizagem deve apontar para novas realidades do ponto de vista pedagógico, não apenas se atentando para características administrativas, mas de respeito aos tempos e trajetos educativos, ponto central da ideia de trilhas. Ao mesmo tempo, há por parte da Instituição a necessidade de observação e monitoramento para que o objetivo da unicidade da trilha se cumpra, ou seja, que vários itinerários integrantes da mesma trilha respondam se não a um mesmo comando didático-pedagógico, a um mesmo objetivo geral de capacitação. Conjugar tais situações é algo complexo e, para isso, é indispensável o (re)planejamento efetivo e constante das ações, que devem ser parte central do Projeto Político Pedagógico da Instituição.
A construção de trilhas de aprendizagem é um processo complexo e que já foi experienciado por diversas instituições públicas e privadas. O desafio, portanto, passa a ser o de ressignificar os processos que fundamentam a construção dessas trilhas, suas bases didático-pedagógicas e, sobretudo, um novo ideal de educação corporativa a ser partilhado por todos os integrantes da Instituição.
Referências
DIESEL, Aline; BALDEZ, Alda; MARTINS, Silvana. Os princípios das metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica. Revista Thema, Pelotas, v. 14, n. 1, p. 268-288, out./dez. 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 67. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2013.
FREITAS, Isa Aparecida. Trilhas de desenvolvimento profissional: da teoria à prática. In: Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 26., 2002, Salvador. Anais […]. Salvador: ANPAD, 2002.
PIRES, Ana Luisa Rebelo de Oliveira. Desenvolvimento pessoal e profissional: um estudo dos Contextos e Processos de Formação das novas Competências Profissionais. 1995. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologias, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1995.
SANTOS, Carlos César Ribeiro. Andragogia: Aprendendo a Ensinar Adultos. In: Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 7., 2010, Resende. Anais […]. Resende, RJ: AEDB, 2010. Disponível em: https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos10/402_ArtigoAndragogia.pdf. Acesso em: 13 fev. 2023.