RESENHA À OBRA “A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO” DE FERDINAND LASSALE

Jailce Campos e Silva 

Advogada, Mestranda em Direitos Fundamentais e Justiça pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado, MBA em Gestão de Projetos pela Universidade Salvador, Especialista em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas pela Fundação Visconde de Cairu e Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Católica do Salvador. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direitos e Deveres Fundamentais no Brasil pela Universidade Federal da Bahia. Autora de artigos com abordagem nas áreas de direitos fundamentais, direito administrativo, direitos humanos, decisão judicial, interpretação constitucional, controle de constitucionalidade.

LASSALLE, F. A essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1998.

Em 1825, nasceu Ferdinand Lassale, na cidade de Breslau (Alemanha), posteriormente, Wroclaw (Polônia). Político responsável pela organização do movimento operário alemão, inspirou-se nas ideias socialistas de Karl Marx, embora contrário ao internacionalismo marxista, pois apresentava um viés nacionalista. Cursou a escola superior em Wroclaw e comércio em Leipzig. Em 1843, regressou a Breslau onde estudou filosofia na Universidade de Breslau. Em Berlim, entrou em contato com as ideias socialistas de Friedrich Hegel e Ludwig Feuerbach. Mudou-se para Paris, a fim de preparar a tese de doutorado, onde conheceu Pierre-Joseph Proudhon e o poeta alemão Heinrich Heine. Foi um exitoso advogado, atuando na defesa da Condessa Hatzfeld em seu processo de divórcio. Já em 1848, participou da revolução alemã, sendo preso várias vezes até se estabelecer em Berlim, em 1857, como jornalista político. Em 1863, participou da fundação e direção da Associação Geral dos Operários Alemães, mudando-se para a Suíça, onde morreu em um duelo no dia 31 de agosto de 1864.

O texto de Ferdinand Lassale é a representação do seu discurso proferido, em 1863, na conferência para intelectuais e operários da antiga Prússia, que serviu de base para a edição do livro A essência da Constituição, fundamental para o estudo do direito constitucional. Tal palestra teve um caráter estritamente científico, advertindo, inicialmente, acerca da verdadeira ciência, que, na sua concepção, não é mais do que a clareza de pensamento que não nasce de coisa preestabelecida, que a qual não requer conhecimentos especiais, mas que seus ouvintes deviam se colocar no mesmo nível do seu tema, mesmo que já tenham conhecimento prévio, despindo-se do que já era conhecido.

O autor inicia o seu texto com os seguintes questionamentos: que é Constituição? Qual é a verdadeira essência de uma Constituição? A fim de esclarecer o objeto da sua investigação, ou seja, o conceito de Constituição e a sua verdadeira essência, utiliza o método comparativo entre a Constituição e a Lei com a finalidade de distingui-las. Para Lassale, é através da comparação do objeto que não se conhece com outro semelhante que se chega às diferenças que afastam um do outro.

Embora Constituição e Lei tenham uma essência comum, que é o processo legislativo, a Constituição é uma lei fundamental para a nação, porém não é como as outras leis. É, pois, fundamental para que as demais leis existam. Isso porque é uma força ativa que faz com que todas as demais leis e instituições jurídicas sejam o que realmente são. A partir desses questionamentos preliminares, Lassale explana que essa força ativa se origina dos fatores reais de poder, que são grupos sociais ou grupos de interesse capazes de influenciar todas as leis de um país e, assim, reger a sociedade, tornando-se partes da Constituição.

Na concepção de Lassale, fica assim perceptível a característica sociológica da Constituição fruto da pressão exercida pelos grupos organizados, a qual muda de acordo os seus interesses. Havendo um conflito entre os fatores reais de poder e a Constituição, esta sucumbe, pois o que vale é o ponto de vista dos grupos predominantes, cujas intenções não precisam ser declaradas, e não a interpretação do texto normativo.

A essência da Constituição, para Lassale, é a soma dos fatores reais de poder que, impressos no papel, transformam-se em fatores jurídicos, construindo, assim, a juridicidade de um país. Uma Constituição é boa e duradoura quando a Constituição escrita corresponde à Constituição real fincada nos fatores de poder que regem a sociedade. Não havendo tal correspondência, rompe-se e, nesse conflito, aquela sucumbe e prevalece esta que demonstra a força de uma nação.

Quis o autor demostrar que os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas, sim, do poder cujas forças regem a nação. A verdadeira Constituição baseia-se tão somente nos fatores reais e efetivos do poder, ou seja, nos interesses dos grupos organizados. Diante das transformações dos interesses dos grupos organizados, a Constituição escrita não tem valor, podendo ser alterada. Só serão valorizadas e duradouras se exprimirem os interesses dos fatores reais do poder que imperam na sociedade.

Sua intenção perante os ouvintes e leitores foi de orientar acerca de como devem se comportar diante do voto para oferecer ao país uma Constituição, no sentido de que a sua intervenção não seja limitada a apenas redigir e assinar uma folha de papel sem a devida atenção às forças reais que mandam no país, pois grupos organizados são fatores decisivos e importantes, considerados forças orgânicas do poder de uma sociedade.

Analisar e discutir o conceito de Constituição do ponto de vista de Lassale é ir além da simples compreensão das palavras que estruturam tal conceito. O texto conduz a uma reflexão mais aprofundada que a simples letra, avançando para a esfera sociológica influenciada pela história, pela cultura e pelas relações de poder em determinada sociedade. Permite analisar que, ao longo da história da humanidade, grupos organizados é que determinam a Constituição escrita de um país e as possibilidades de sua transformação.

Para conhecer o conceito de Constituição, Lassale questiona a sua essência, ou seja, de que forma é feita uma Constituição, o que está em volta da sua elaboração. Há se considerar a importância dada à lei fundamental que reflete nas demais leis de um país. Todavia, ter uma Constituição influenciada por grupos que se unem em prol de interesses próprios em detrimento dos demais é mitigar ou até mesmo anular os interesses dos demais integrantes de uma nação. Isso não é cabível em um Estado Democrático de Direito.

Há de ressaltar que a análise de Lassale é bem atual, daí ser importante a leitura do seu livro, pois nos leva a refletir que ainda é perceptível a influência de grupos organizados na elaboração da Constituição sem declarar os seus interesses, negociando-os diplomaticamente, ou seja, não se tem conhecimento claro daquilo que influencia a elaboração das leis.

Lassale demonstra que a verdadeira Constituição é a que reflete os fatores reais de poder e, se a Constituição escrita não corresponder à realidade, ela precisa ser mudada. Ser atento às mutações constitucionais baseadas na vontade de grupos que detêm o poder é importante, pois, em um Estado de Direito, geram a insegurança jurídica. Há, além disso, a juridicidade, que é a base para a constituição do Estado, que remete ao direito e este à justiça, a qual reforça a ideia de igualdade entre todos os que compõem uma nação diante do ordenamento jurídico.

Embora o seu discurso dê ênfase aos fragmentos responsáveis pela elaboração da Constituição, ou seja, os fatores reais de poder – militar, intelectual e econômico – o autor provoca os seus ouvintes e leitores a reagirem diante do poderio dessas parcelas da sociedade, buscando uma participação mais efetiva de todos no pensar e elaborar a Constituição, pois a ideia coletiva preponderante é que caracteriza o Estado Democrático de Direito em todo o ordenamento jurídico de uma nação.

Há de se convir que A Essência da Constituição é um texto apropriado para ser discutido no meio acadêmico, por juristas, políticos e demais segmentos da sociedade, pois traz à discussão um tema bastante atual no aspecto sociológico e de formação, o qual reflete na construção do ordenamento jurídico de um país, a partir de uma lei fundamental, que é a Constituição.

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