ENFRENTAMENTO AO RACISMO INSTITUCIONAL: AÇÕES ANTIRRACISTAS NO SISTEMA DE JUSTIÇA BRASILEIRO 

Andréia Oliveira, Elaine Jansen e João Pena 

Psicóloga formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), CRP 03/19814, mestranda em Psicologia Social pela UFBA, pesquisadora interna do Grupo Estudos e Pesquisa sobre Racismo (GEPR) do MPBA e Analista de Psicologia da Central de Assessoramento Técnico Interdisciplinar (CATI/CAODH).

Bacharel em Artes – Habilitação em Figurino e Indumentária pelo Senai CETIQT, especialista em Arte Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ministrou o curso “Arte educação para surdos: um diálogo sobre a cultura afro-brasileira através do bordado”, ação desenvolvida para o Projeto “Educação Inclusiva: todas as escolas são para todos os alunos”, do Centro de Apoio Operacional de Educação (CEDUC/MPBA). É Executora Orçamentária do CEDUC/MPBA.

Doutor e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), urbanista graduado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Realizou doutorado sanduíche no Amsterdam Institute for Social Science Research (AISSR), da Universidade de Amsterdã (UvA). É Analista Técnico de Urbanismo do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) e integrante do grupo de pesquisa ¡DALE! – Decolonizar a América Latina e seus Espaços, vinculado à UFBA.

Resumo 

O racismo enquanto elemento estrutural da sociedade brasileira tem histórica e sistematicamente impedido o acesso da população negra aos espaços de tomada de poder e decisão. Uma das formas como ele se manifesta é através do racismo institucional, que, dentre outras consequências, impede e dificulta que negros e negras acessem serviços e integrem o quadro de pessoal das diversas instituições, como as do sistema de justiça. Isto tem sido abordado há algum tempo em pesquisas e estudos sobre o tema. Então, interessa-nos discutir o que tem sido feito efetivamente para superá-lo. Nesse sentido, por meio da leitura e análise de documentos disponibilizados na internet e da revisão da literatura, abordaremos algumas ações empreendidas por instituições do sistema de justiça brasileiro para combater o racismo e promover a igualdade racial. Em seguida apresentamos algumas ações do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) a fim de dirimir as assimetrias raciais nesta instituição. Por fim, apontamos que as ações antirracistas adotadas pelas instituições do sistema de justiça, além de significarem o reconhecimento das enormes desigualdades e injustiças provocadas pelo racismo, constituem um começo numa longa caminhada para a superação do racismo e na promoção da igualdade racial.    

Palavras-chave: discriminação racial; racismo institucional; sistema de justiça; Ministério Público; antirracismo. 

1 Racismo institucional   

A classificação social baseada na construção da ideia de raça, forjada na invasão e invenção da América, foi e continua sendo um dos pilares do projeto colonial e da colonialidade (QUIJANO, 2005). A ideia de raça foi usada para legitimar toda sorte de violências coloniais contra os povos originários, contra povos africanos traficados através do Atlântico como escravos e, em âmbito global, contra todos os povos não europeus, considerados não brancos. Se o mundo moderno é caracterizado por avanços científicos e tecnológicos, é igualmente marcado pela violência e exploração de corpos racializados, pelos saques e espoliação de seus territórios e pelo sangue negro e indígena derramado para construir essa mesma modernidade. Como explica Almeida (2018), essa classificação social com base na raça constitui uma das tecnologias do empreendimento colonial europeu.  

O tratamento desigual que determinadas pessoas ou grupos sociais recebem constitui o racismo. Conforme explica Almeida (2018, p. 25):   

Podemos dizer que o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo social ao qual pertencem. 

Portanto, trata-se de um elemento estrutural, independente da ação de um indivíduo específico, mesmo que este possa também cometer discriminação racial. Então, o racismo é “[…] um processo em que condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas.” (ALMEIDA, 2008, p. 27). Desse modo, no sistema-mundo moderno/colonial, o racismo estrutura a sociedade em seus mais diversos aspectos e, por conseguinte, se manifesta e opera de forma as mais diversas. Racismo institucional, racismo religioso e racismo ambiental são, pois, exemplos de como o racismo ocorre, afetando aqueles grupos racializados como inferiores, subalternos, conforme determinado pelo projeto colonial. 

Interessa-nos aqui discutir melhor o racismo institucional para entendermos o contexto das instituições do sistema de justiça brasileiro, em especial do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA). Se a desigualdade racial é um problema crítico na sociedade, o racismo também se manifesta nas instituições, mesmo naquelas constitucionalmente responsáveis pela defesa da sociedade e pelo justo cumprimento da lei. Mas o racismo é uma tecnologia colonial extremamente sofisticada e, como tal, consegue adentrar todos os espaços, se estabelecer e promover, por um lado, injustiças e desigualdade e, por um lado, vantagens e privilégios. Os privilégios produzidos pelo racismo são direcionados ao grupo racial hegemônico, isto é, os brancos, descendentes dos colonizadores e que, ainda hoje, insistem em dar continuidade a esse projeto que, em última instância, visa ao extermínio ontológico e epistemológico daqueles considerados como os “outros”. A esse lugar de privilégio, que proporciona uma facilidade no acesso a recursos materiais e simbólicos, dá-se o nome de branquitude (SCHUCMAN, 2014). 

O sistema judicial brasileiro é historicamente ocupado pela elite e é composto majoritariamente por pessoas brancas. O Censo do Poder Judiciário, realizado em 2013, mostrou que apenas 15,6% são negros, sendo que 14,2% se declaram pardos e 1,4%, preto (BRASIL, 2014). Isto quer dizer que 84,4% dos magistrados brasileiros são brancos, constituindo, assim, um arquipélago de branquitude com poucas ilhas negras. Esta comparação foi feita por Mattos (2020) ao discutir o perfil racial do MPBA, onde se percebe a hegemonia branca entre promotores, promotoras, procuradores e procuradoras de justiça, embora não haja um censo racial com dados consistentes sobre o quadro de pessoal do referido órgão. O perfil de membros e membras dos demais MPs brasileiros não foge à regra: é altamente elitizado, composto em sua maioria por homens brancos das classes média e alta, que não possui interesse em atuar na área de direitos humanos (LEMGRUBER et al., 2016). Isso também é flagrante no quadro apresentado pelo censo racial do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), onde 93% dos(as) promotores, promotoras, procuradores e procuradoras de justiça são brancos, 4% são negros, 3% são amarelos e 0,3% são indígenas (SÃO PAULO, 2015).  

A ausência ou baixa presença da população negra nesses espaços de poder, como é no sistema de justiça, é resultado do racismo institucional que, como explica López (2013, p. 81): 

[…] atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam na distribuição desigual de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Ele extrapola as relações interpessoais e instaura‑se no cotidiano organizacional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando de forma ampla desigualdades e iniquidades. 

Se o racismo é um dos pilares da modernidade/colonialidade, ele também está presente nas instituições, seja na composição do quadro de pessoal, seja na forma como grupos étnico-raciais específicos são tratados interna e externamente, ou seja, na imposição de barreiras às pessoas negras, na discriminação por elas sofrida etc. Em seu livro Tratado de Direito Antidiscriminatório, Moreira (2020, p. 457) explica que a discriminação institucional (racial, sexual, de gênero etc.) “[…] ocorre quando seus agentes tratam indivíduos ou grupos a partir dos estereótipos negativos que circulam no plano cultural.” Mas o autor salienta que o racismo institucional, apesar de também ser cometido por indivíduos, pode independer de sua vontade ou ação individual, pois também resulta da definição e operação de “normas supostamente neutras” que, na verdade, impõem desvantagens a determinado grupo enquanto beneficiam o grupo dominante: 

Essas práticas podem englobar a intenção de excluir grupos minoritários de posições dentro de instituições, a aceitação de minorias nas instituições em posições subalternas, o impedimento que estas possam alcançar posições de comando, a preferência por pessoas brancas dos círculos de relacionamento pessoal e as exigências de qualificação não relacionadas com as funções do cargo, com o objetivo de excluir minorias.

(MOREIRA, 2020, p. 459). 

No caso do MPBA, por um lado, há poucas ilhas negras no arquipélago branco de promotores, promotoras, procuradores e procuradoras de justiça, que são os cargos mais elevados da instituição, mas na base da pirâmide, por outro lado, os serviços gerais constituem um continente negro com extensão a perder de vista. Embora ainda não haja dados que mostrem o percentual de negros e negras em cada cargo/função da instituição, é perceptível que a imensa maioria dos funcionários e funcionárias de empresas terceirizadas que desempenham os serviços gerais é negra. Apesar de o MPBA ter implementado ações nos últimos anos visando a uma redução da desigualdade racial, ainda há muito a ser feito. 

2 Ações antirracistas no sistema de justiça   

Diante do cenário de imensa desigualdade racial, alguns órgãos do sistema de justiça vêm implementando ações para conhecer a realidade institucional e elaborar medidas de enfrentamento, como a criação de grupos de trabalho (GTs) de promoção da igualdade racial. Em 2002, o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE) criou o Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo, mais conhecido como GT Racismo1. Este trabalho visa a elaborar estratégias de enfrentamento ao racismo a partir de mudanças de práticas cotidianas exercidas por membros, membras, servidores e servidoras da instituição. Já em 2014, foi criado o Grupo de Trabalho de Igualdade Racial no âmbito do MPSP, que reúne membros, membras, servidores e servidoras para discutir, institucionalmente, temas relacionados à igualdade racial, ao enfrentamento do racismo institucional e ao combate ao racismo. Esse grupo foi responsável pela elaboração do censo racial de membros, membras, servidores e servidoras do MPSP, demonstrando a composição racial da instituição (SÃO PAULO, 2015). 

Em 2020, O Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA) criou o Núcleo de Promoção da Diversidade (Nudiv) com o objetivo de “propor objetivos estratégicos, ações, metas e indicadores de melhoria e igualdade voltadas para o público interno e externo do Ministério Público.” (GOMES, 2020). Além disso, o MPMA apoia uma campanha contra o racismo elaborada pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão, propondo-se a gerar capacitação e formação, através de cursos, oficinas e cartilhas informativas que versem sobre a questão racial junto às instituições jurídicas, da segurança pública e do público externo2. Vale destacar também o Grupo de Trabalho de Raça, fundado em 2018, com a finalidade de construir ações e estratégias para a promoção da igualdade racial na televisão aberta (BRASIL, 2020a) no âmbito do Ministério Público do Trabalho (MPT). 

Para Silva e Nascimento (2019), a implantação de GTs de combate ao racismo tanto em instituições públicas quanto privadas contribui de maneira substancial para a desconstrução de estereótipos atribuídos à população negra. Além disso, as ações dos GTs que visem à inserção da população negra em espaços de poder e decisão contribuem para a emancipação dessas pessoas e para a igualdade racial. 

Podemos encontrar outras ações correlatas acontecendo em instituições diversas, como é o caso da Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Defensorias Públicas e Câmara dos Deputados.  

Através da campanha Racismo se combate em todo lugar, lançada em maio de 2021, a ANADEP busca trabalhar junto às Defensorias Públicas para combater a desigualdade e a discriminação racial, promover a igualdade de acesso à justiça por pessoas negras, indígenas, quilombolas e povos tradicionais, além de construir mecanismos para a igualdade racial nessas instituições3. Nesse mesmo ano, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ) lançou a cartilha Diretrizes para o preenchimento do quesito raça/cor nos sistemas da Defensoria Pública,4 que visa à correta coleta dos dados raciais das pessoas atendidas na DPE-RJ para fomentar o combate ao racismo institucional e formulação de políticas internas antirracistas. 

No âmbito do CNMP foi instituído o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Étnica e Cultura no âmbito da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF). Conforme estabelecido pela Portaria CNMP-PRESI n° 70/2014, este GT, assim como os demais da referida comissão, objetiva desenvolver estratégias para aprimorar a atuação do Ministério Público (BRASIL, 2014). Entre outras ações, o referido GT fomentou a assinatura do Termo de Execução Descentralizada nº 01/2022, entre o CNMP e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), para a realização de pesquisa sobre o perfil étnico-racial do quadro funcional dos MPs (Promotores e Promotoras de Justiça, servidores, servidoras, estagiários e estagiárias de Direito), além de avaliar o cumprimento das Resoluções CNMP nº 170/2017 e nº 217/2020 e da Recomendação nº 40/2016 (BRASIL, 2022).    

No ano de 2020, por meio do Ato do Presidente de 17 de dezembro de 2020, a Câmara dos Deputados instituiu a Comissão de Juristas para a criação de instrumentos normativos no sentido de aperfeiçoar a legislação de combate ao racismo no país (BRASIL, 2020b).  Nesse mesmo ano, o CNJ, por meio da Portaria n° 108, de 8 de julho de 2020, criou um Grupo de Trabalho “destinado à elaboração de estudos e indicação de soluções com vistas à formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário.” (BRASIL, 2020c). O referido GT produziu o Relatório de Atividade Igualdade Racial no Judiciário com propostas que visam ao combate ao racismo no âmbito do judiciário e da sociedade (BRASIL, 2020d).  

Com um passivo histórico de mais de 500 anos, essas ações são muito importantes, mas não são suficientes para a superação do racismo estrutural e institucional no Brasil. Assim, como aponta o relatório elaborado pelo CNJ, é evidente a urgência na institucionalização de debates sobre as questões raciais e o racismo para que o Estado possa elaborar e implementar políticas públicas que atendam à diversidade existente no país. Nesse sentido, as instituições precisam refletir sobre sua realidade e criar instrumentos para combater as desigualdades raciais internamente, bem como aquelas no bojo de sua atuação na sociedade. 

3 Ações antirracistas no MPBA    

No âmbito do MPBA, em 20 de julho de 2020, data em que o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.228/2010) completou dez anos, foi instituído, por meio do Ato n° 395/2020, o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional (GERI) para elaboração do Programa de Enfrentamento ao Racismo Institucional (PERI). É importante salientar que a referida iniciativa é pioneira no âmbito dos MPs, tendo em vista que a elaboração do PERI tem como objetivo combater o racismo interno à própria instituição e promover a diversidade étnico-racial do seu quadro funcional (BAHIA, 2020).  

Vale lembrar que não é a primeira vez que o MPBA protagoniza ações efetivas de combate ao racismo. Em 1997, a referida instituição criou a primeira Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa do país, influenciando iniciativas similares em outros MPs, 19 anos antes da Recomendação n° 40/2016 expedida pelo CNMP, que orientou a criação de órgãos especializados na promoção da igualdade racial, com atuação preventiva e repressiva, com a maior brevidade possível (BRASIL, 2016).  

No ano de 2014, o MPBA passou a adotar o sistema de reserva de no mínimo 30% das vagas para candidatas e candidatos negros nos concursos para ingresso nas carreiras da instituição, com base no Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia (Lei nº 13.182/2014), mesmo não havendo expressamente no dispositivo a obrigatoriedade dos demais poderes – legislativo e judiciário – e os órgãos essenciais à justiça – Ministério Público e Defensoria Pública – de implementarem a medida afirmativa (BAHIA, 2014). O CNMP somente recomendou que os MPs do Brasil adotassem as cotas raciais nos certames no ano de 2017, através da Resolução n° 170, com a reserva de no mínimo 20% das vagas (BRASIL, 2017). 

Em 2020, foi criado o Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Racismo (GEPR), que integra a Unidade de Fomento à Pesquisa e Inovação (UFPCI) do MPBA, que tem como objetivo analisar, por meio de uma perspectiva interseccional, a manifestação do racismo institucional no MPBA através de pesquisas empíricas, com a finalidade de propor medidas para o enfrentamento ao racismo institucional.  

Apesar de avanços importantes no combate ao racismo, essas ações ainda não foram suficientes para promover um ambiente antirracista na organização. Ademais, o quadro de pessoal do MPBA (especialmente a composição de promotores, promotoras, procuradores e procuradoras de justiça), bem como os cargos de liderança e coordenação não refletem a diversidade étnico-racial da população baiana. Portanto, a iniciativa de criar o GERI para elaborar o PERI, embora tardiamente, demonstra o reconhecimento frente à sociedade de que a instituição reproduz o racismo estrutural brasileiro e a necessidade urgente de mudança. 

O GERI iniciou as atividades em 05 de novembro de 2020, com reuniões mensais, e contou com a participação de órgãos-chave da instituição: Chefia de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça; Coordenadoria de Gestão Estratégica; Superintendência de Gestão Administrativa; Diretoria de Gestão de Pessoas; Coordenação do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional — CEAF; Central de Apoio Técnico — CEAT; Coordenação do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos — CAODH; Coordenação da 1ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos — 1º Promotor de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa; de entidades de classe (Associação do Ministério Público do Estado da Bahia — AMPEB — e Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado da Bahia — SINDSEMP/BA); e de representantes do movimento social Coletivo Maria Felipa — organização antirracista independente criada por integrantes e ex-integrantes do MPBA5

A criação do GERI significou um avanço importante no que diz respeito à elaboração de diretrizes institucionais de forma participativa e democrática, pois havia na composição daquele grupo diversidade de raça, gênero, classe e sexualidade, com destaque para a participação de mulheres negras da instituição. Durante um ano de trabalho, foi possível propor ações nos diversos níveis institucionais, a partir de quatro eixos:  1) gestão: composto por 9 itens e 29 ações; 2) formação: com 9 itens e 45 ações; 3) estrutura organizacional: com 1 item e 1 ação institucional; e 4) recursos humanos: formado por 3 itens e 17 ações. As 92 ações propostas foram discutidas exaustivamente pelos integrantes do GERI, sempre com o objetivo de combater o racismo, promover a igualdade racial e promover um ambiente antirracista. Após a finalização, a proposta do PERI foi entregue em mãos à Procuradoria-Geral de Justiça, chefia da instituição, no dia 20 de julho de 2021, para análise, aprovação e implementação, em caso de concordância. 

Como resultado dos esforços empreendidos pelo GERI, em 19 de novembro de 2021, em comemoração ao novembro negro, foi instituído o PERI no âmbito do MPBA, por meio do Ato Normativo nº 638/2021, publicado no Diário de Justiça Eletrônico nº 2.984, com os seguintes objetivos:  

a) Implementar ações de prevenção e combate ao racismo institucional; 

b) Fomentar a atuação no combate ao racismo e à intolerância religiosa e na promoção da igualdade racial; 

c) Fomentar, nos quadros internos, a diversidade étnico-racial da população baiana.

(BAHIA, 2021, p. 1408)

Entretanto, o PERI instituído pelo Parquet não contemplou na integralidade o Plano elaborado pelo GERI, contendo apenas 21 diretrizes elencadas no art. 2º do Ato Normativo nº 638/2021. Além disso, foi criado um novo Grupo de Trabalho, composto por integrantes majoritariamente brancos que não representam a diversidade étnico-racial da população, com a finalidade de elaborar novo plano de trabalho. Apesar da importância da instituição do PERI, entendemos que o plano aprovado é bastante tímido em comparação com a proposta apresentada pelo GERI, que durante um ano promoveu intensas discussões para a construção de forma democrática e participativa do PERI. Por fim, cabe destacar que até o presente momento o novo plano de trabalho não foi entregue pelo novo GT, o que dificulta a implementação do programa, bem como a análise de sua efetividade. 

4 Conclusão 

O enfrentamento ao racismo institucional requer uma mudança radical na cultura organizacional, uma vez que isto implica a revisão ou superação de normas, procedimentos e “tradições” arraigadas nas rotinas. Nesse sentido, as ações já empreendidas pelas diversas instituições do sistema de justiça e de outros setores, majoritariamente na última década, significam o começo de um longo caminho para a superação de um passivo histórico de mais de 500 anos que ainda impede a população negra de igual acesso aos serviços de justiça, bem como de ocupar espaços de prestígio, tomada de poder e decisão, seja nos MPs, nos Tribunais de Justiça, nas Defensorias Públicas e nos mais diversos órgãos públicos.  

No caso do MPBA, além das demais ações citadas, a implantação de um PERI poderá provocar mudanças importantes e urgentes no ambiente organizacional, o que impactará em todas as áreas do MPBA, refletindo nas atividades finalísticas, ou seja, na defesa da sociedade e da democracia para a garantia da cidadania plena. Além disso, poderá incentivar outros MPs no combate ao racismo em suas instituições. Ademais, como fiscal da lei, guardião da cidadania e defensor do estado democrático de direito, o MPBA pode inspirar outras instituições que não compõem o sistema de justiça a refletirem e mudarem seus procedimentos a fim de também combaterem o racismo institucional. 

Referências 

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é Racismo Estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.  

BAHIA. Lei nº 13.182 de 06 de junho de 2014. Institui o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia e dá outras providências. Disponível em: http://www.sepromi.ba.gov.br/arquivos/File/EstatutodaIgualdade.pdf. Acesso em: 14 jan. 2021. 

BAHIA. Ministério Público. Ato nº 395/2020. Institui o Grupo de Trabalho para elaboração de Programa de Enfrentamento ao Racismo Institucional no âmbito do Ministério Público do Estado da Bahia. 

BAHIA. Ministério Público. Ato nº 638, de 19 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/diariojustica/20211122.pdf. Acesso em: 12 out. 2022.   

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Censo do Poder Judiciário: VIDE: Vetores iniciais e dados estatísticos. Brasília: CNJ, 2014a. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/CensoJudiciario.final.pdf. Acesso em: 24 mai. 2021.   

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Portaria CNMP-PRESI n° 70, de 27 de março de 2014. Dispõe sobre a organização e o funcionamento dos Comitês, Fóruns, Representações, Grupos de Trabalho e congêneres no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público e dá outras providências. Brasília, 2014b. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Portarias_Presidencia_nova_versao/2014/2014.Portaria-CNMP-PRESI-0701.pdf. Acesso em: 26 jun. 2021.  

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Recomendação nº 40, de 09 de agosto de 2016. Recomenda a criação de órgãos especializados na promoção da igualdade étnico-racial, a inclusão do tema em editais de concursos e o incentivo à formação inicial e continuada sobre o assunto. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomendacoes/Recomenda%C3%A7%C3%A3o-040.pdf. Acesso em: 04 jan. 2021. 

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Resolução 170, de 13 de junho de 2017. Dispõe sobre a reserva aos negros do mínimo de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos do Conselho Nacional do Ministério Público e do Ministério Público brasileiro, bem como de ingresso na carreira de membros dos órgãos enumerados no art. 128, incisos I e II, da Constituição Federal. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-170.pdf. Acesso em: 04 jan. 2021. 

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Notas

1. Para saber mais sobre GT Racismo do MPPE ver: https://www.mppe.mp.br/mppe/institucional/nucleos-e-gts/gt-racismo. Acesso em: 02 jun. 2021. 
2. Mais informações sobre a campanha disponíveis em: https://www.mpma.mp.br/index.php/mnu-caop-dh-campanha-racismo. Acesso em: 24 maio 2021.   
3. f.: “Ações antirracistas da DPRJ integraram Campanha Nacional da ANADEP”. Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/11332-Acoes-antirracistas-da-DPRJ-integraram-Campanha-Nacional-da-ANADEP. Acesso em: 24 mai. 2021.   
4. A cartilha está disponível em: https://defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/238ffb9ef5e64dc19691c409110753d6.pdf. Acesso em: 12 out. 2022.     
5. Para saber mais sobre o Coletivo Maria Felipa ver Oliveira, Azevedo e Pena (2020).

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